sábado, fevereiro 19

animah

Todas as noites se sentava sozinho no espaço vazio entre três cadeiras, e olhava atentamente aquele enorme painel. Algo no centro o atraía, algo que apenas via quando cansado abria a boca num bocejo.
Um dia a dúvida assaltou-o e nunca mais foi o mesmo.

na PJ (onde deu conta do ocorrido), foi incapaz de achar a foto da dita no arquivo. o homem do outro lado da secretária também não o conseguiu ajudar: tinha acabado de desaprender a apertar os laços dos sapatos e estava muito entretido a admirar-se (eram bonitos, os laços, de um negro esfumado e tigrado que ficava bem sobre o azul da meia).
Kyriu | 21/2/05 12:40 AM
A dúvida, arrependida, não o voltara a visitar. Cinco longas semanas passaram e a certeza, livre agora de outros desejos, trouxera todo o seu mundo. A alcatifa estava plana, as arestas dos moveis eram claras e geometricamente rigorosas. Os periquitos cantavam em ciclos regulares e o gato nunca miava fora de tom.
Ele tinha mudado muito, diziam.

animah | 22/2/05 18:45 PM
Em Dezembro surpreendeu, a caminho de casa, uma sombra. Trazia com ela memórias. Mas nessa altura a mudança era já demasiado radical, os longos traços azuis sob os olhos tinham subido quase até às têmporas e o relógio de bolso tinha três dias de corda. Quando regressou a casa e ligou o volímetro, a luz amarela dos tubos do amplificador pintaram de âmbar o copo irisado onde serviu o licor. Das três cadeiras, as duas que ficaram encostaram-se satisfeitas, disputando os pés estirados sobre si.
Kyriu | 24/2/05 4:27 PM